sábado, 11 de dezembro de 2021

JESUS DE NAZARÉ


JESUS DE NAZARÉ

Presidente Spencer W. Kimball 

Nesta época do ano, celebramos o nascimento do Senhor Jesus Cristo. Há alguns anos atrás, minha esposa e eu visitam os a Terra Santa, juntam ente com o Élder Howard W. Hunter e esposa e numa véspera de Natal nos juntamos às milhares de pessoas de todas as partes do mundo que lá se encontravam por motivos religiosos ou simples curiosidade.

Tivemos que nos abaixar para atravessar a pequena abertura da Igreja da Natividade, quando vagarosamente nos encaminhamos para a gruta que muitas denominações consideram como os locais sagrados da manjedoura e do nascimento do Salvador.

Ao olhar para a estrela de metal que se acha fixada ao piso de concreto situado mais abaixo, nossa mente  retratou uma rústica manjedoura numa gruta, e ao lado dela um a adorável senhora de lindo semblante e meigo olhar fitando um pequenino envolto em panos, como costumavam ser as demais crianças hebraicas. O infante já havia sido lavado, seu corpo limpo com sal e colocado sobre um pano quadrado, com a cabeça numa das extremidades, e os pés no sentido diagonalmente oposto. O pano em seguida foi dobrado ao redor de seus quadris e dos pés e o precioso fardo logo após amarrado com tiras. As mãos da criança costumavam ser presas aos lados do corpo, mas ocasionalmente eram soltas e talvez polvilhadas com folhas de murta em pó. Se a criança ainda estivesse envolta em panos, ela poderia ser facilmente carregada na viagem que fez ao Egito, e até mesmo ser amarrada às costas da mãe.

Quão gratos somos pelo nascimento do menino Jesus, mas será que não estamos dando maior ênfase a esse fato que a outras fases de sua experiência terrena? Costumamos considerar sua natividade como o evento que mais influenciou nossa vida? Seria interessante perguntar por que estamos aqui. Qual foi o objetivo de nosso nascimento? Isto nos faz lembrar que muitos bilhões de pessoas já nasceram aqui na terra.

Caim nasceu, mas terminou sua existência em completa obscuridade. Que fez ele de sua vida?

Nero também nasceu, porém a maneira pela qual conduziu sua vida parece não ter justificado tão grande bênção.

Adolph Hitler nasceu. Que fez ele de sua vida? Milhões de pessoas morreram de fome no campo de concentração de Dachau e em outras câmaras de tortura. 

Sim, é verdade que os homens têm que morrer — todos nós faleceremos um dia. Milhões de pessoas passaram por esta vida sem que ninguém as notasse, completamente ignoradas e desconhecidas. A questão é, será que elas cumpriram a medida de sua criação mortal? Certamente não é um fato preponderante que os homens morram , ou a época em que faleçam, mas sim que não morram em seus pecados. Muitos indivíduos que viveram no período antediluviano morreram vergonhosamente com a alma cheia de transgressões, na ocasião em que se abriram as fontes dos céus.

Cristo morreu. Oh! Eis uma morte deveras significativa. Jesus realizou o sacrifício expiatório por nossos pecados, abrindo o caminho para que pudéssemos ressuscitar, indicando a maneira pela qual podemos viver uma vida perfeita e mostrando a senda que conduz à exaltação. Ele morreu por sua livre vontade. Seu nascimento foi humilde, sua vida perfeita, seu exemplo compelidor; sua morte abriu as portas para nós e ofereceu à humanidade todos os dons e bênçãos de real valia.

Talvez sua morte pudesse ter ocorrido muitos anos antes e cumprido apenas o primeiro dos requisitos: o de nos proporcionar a ressurreição e imortalidade. Todavia, por algum motivo foi necessário que ele vivesse um pouco mais — mesmo que fosse para ter um a existência cheia de perigos, para que pudesse estabelecer firmemente o caminho da perfeição.

Por mais de três décadas, ele viveu perigosamente. Desde o dia em que Herodes decretou e levou a cabo a terrível matança de criancinhas até o ato impiedoso em que Pilatos o entregou à turba sanguinária, Jesus atravessou perigos constantes. Tão grandes riscos correu ele, que até mesmo foi oferecida uma recompensa por sua captura, cujo preço final foram trinta moedas de prata. Parece que não somente os inimigos humanos desejavam complicar-lhe a vida, mas também seus amigos o abandonaram; como se isto não bastasse, Satanás e suas legiões o perseguiam incessantemente. Apesar de tudo, mesmo após sofrer morte prematura, parece que ele não queria deixar este mundo sem antes haver treinado melhor seus líderes. Por isto, ele permaneceu aqui na terra por mais quarenta e cinco dias, a fim de proporcionar um treinamento de liderança aos apóstolos e aos demais discípulos, para que eles se tornassem santos.

Ao examinarmos sua vida, vemos o cumprimento de um a profecia, pois, conforme o predito, foi um “homem de dores, e experimentado nos sofrimentos” (Isaías 53:3.) Como ele poderia conduzir efetivamente seu povo — mostrar-lhe a maneira pela qual poderia guardar seus mandamentos — a não ser que conhecesse tanto o sofrimento como a alegria? Como poderíamos saber que é possível alcançar a perfeição individual, ou ainda, como um indivíduo sentiria o desejo de esforçar-se por alcançá-la, se alguém não provasse que tal meta seria atingível? Para tanto, ele atravessou inúmeras tribulações, dia e noite, durante toda sua existência.

Porém , cada dia de sua vida ele demonstrou seu poder, sua grande habilidade e energia. Desde a ocasião de seu nascimento, sua vida foi sempre cheia de percalços. Nascido numa manjedoura, sem gozar do mínimo conforto que era comum aos lares israelitas, foi um visitante indesejado, pois não havia lugar para ele na hospedaria.

Em outra época de sua vida, ainda na infância seus pais tiveram que levá-lo para um país distante, a fim de salvar sua preciosa vida, num a jornada cheia de perigos, feita com grande pressa e temor, uma viagem difícil para uma criança tão pequena, ainda necessitando dos cuidados maternos. Durante aquele percurso, ele sofreria penúrias, tempestades de areia, cansaço, além de ter que provar alimentos estranhos, em meio a costumes diferentes, numa terra nova e desconhecida. A viagem que fizeram a Nazaré foi um a das jornadas mais longas e árduas que teve de enfrentar, novamente para fugir à sanha de um governante desalmado.


Suas tribulações foram contínuas. Talvez Lúcifer, seu irmão, tenha ouvido Jesus dizer, quando tinha apenas doze anos de idade: “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” (Lucas 2:49). Então chegou a época em que Satanás procurou fazer com que ele caísse em tentação. A batalha que ambos passaram na preexistência tinha sido travada em igualdade de condições, mas agora, quando nesta vida, Jesus era apenas um jovem, e Satanás um espírito experiente e, através de sutilezas e desafios, tentou destruir aquele Salvador que começava a surgir.

Porém a todas as insinuações feitas pelo adversário, ele respondeu com um a recusa categórica, “Vai-te, Satanás; porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás.” (Mateus 4:10.)

Que existência solitária ele deve ter  vivido! Já nem mesmo podia viver sua própria vida. Em quase todos os milagres que operou, ele pediu à pessoa que tinha sido curada, “Não digas nada a ninguém” (Marcos 1:44). Porém os aflitos, os enfermos que haviam sido alvo de seu poder e bondade, iam por toda parte e propagavam o que lhes tinha acontecido, “de modo que Jesus já não podia entrar abertamente numa cidade, mas conservava-se fora, em lugares desertos.” (Marcos 1:45.)

Todos os seus pronunciamentos eram um desafio. Cabia-lhe defender todos os princípios. “ Por que não jejuas?” “ Por que seus discípulos comem sem lavar as mãos?” “ Por que violas o Sábado curando nesse dia?” Os líderes dos sacerdotes procuraram matá-lo por curar no dia santificado!

Já era penoso que seus inimigos tentassem fazer com que ele caísse numa cilada, porém até mesmo seus amigos “ saíram para o prender; porque diziam: Ele está fora de si” (Marcos 3:21.)

Quem poderia oferecer lhe um pouco de com paixão? Será que era por esse motivo que Cristo frequentemente subia às montanhas, em busca de um lugar seguro e do consolo de seu Pai? E assim ele vivia, solitário, sem ter ninguém com quem pudesse desabafar, sem um abrigo onde repousar. Com o ele mesmo disse: “ As raposas têm seus covis, e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.” (Lucas 9:58.) Sempre que Jesus subia as colinas, era seguido. Cruzava o mar e lá estava a multidão. Deitava-se no barco para repousar, e era rudemente acordado com criticismo: “Não se te dá que pereçamos?"(Marcos 4:38.)

Mesmo quando estava prestes a seguir a trilha que o conduziria à morte, teve que dizer aos apóstolos que escolhera: “ Não vos escolhi a vós doze? Contudo um de vós é um diabo.”(João 6:70.) Daquele dia em diante, caminharia ao lado de um traidor.  

Quão solitário vivia! Em meio a quanta angústia! Ter que fugir e esperar, sabendo que a morte logo o alcançaria! “ Pois não queria andar pela Judéia, porque os judeus procuravam matá-lo.” (João 7:1.) 

O Senhor fez tudo para viver incognitamente, “mas não pôde esconder-se” (Marcos 7:24.)

Jesus sofreu um a das maiores desilusões, quando voltou para sua terra natal. Não houve qualquer demonstração de júbilo com sua vinda, apenas curiosidade e rejeição. “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?” (Marcos 6:3.) É um menino comum , semelhante aos que brincam em nossas ruas, diziam eles.

Foi oferecida uma recompensa por sua captura. Jesus sempre foi ameaçado pela violência física. As pessoas tinham o prazer de revelar onde ele se encontrava, para que fosse capturado e morto. O fantasma da morte ia a sua frente, sentava-se com ele, caminhava a seu lado e o seguia.

Quão difícil deve ter sido para Jesus, que podia fazer com que uma figueira secasse mediante uma simples ordem , esquivar-se de amaldiçoar seus inimigos. Ao invés disso, Cristo orava por eles. É comum aos homens revidar, porém aceitar as afrontas como o Senhor o fez, é um gesto divino. Ele foi continuamente provado: quando permitiu que o traidor o beijasse, Jesus não resistiu; ao ser capturado pela turba sedenta de sangue, não consentiu que Pedro, seu leal apóstolo, o defendesse, embora aquele homem digno estivesse disposto a morrer, se fosse necessário, para defendê-lo. 

Tendo doze legiões de anjos a seu dispor, recusou-se a usá-las e disse aos corajosos apóstolos que estavam a seu lado que o não defendessem. Permitiu que a turba o prendesse e o sujeitasse às maiores indignidades, sem ao menos revidar. Ele mesmo não tinha dito, “Amai aos vossos inimigos”? (Mateus 5:44.) 

Com divina e imponente dignidade, suportou as afrontas, quando indivíduos perversos cuspiram em sua face. Jesus permaneceu majestoso, quando o arrastaram de um lugar para outro. Nem uma só palavra de rancor escapou de seus lábios. Bateram -lhe na face e socaram -lhe o corpo; não obstante, permaneceu resoluto e intimorato.

Ele seguiu literalmente sua própria admoestação, quando ofereceu a outra face a seus algozes, para que nela batessem. Mesmo diante de tal covardia, não demonstrou qualquer sinal de servilismo, recusa ou contestação. Quando testemunhas falsas e mercenárias foram pagas para mentir a respeito dele, não dirigiu a elas a mínima condenação. Ao ouvi- las corromper suas palavras, dando- lhes um significado errôneo, permaneceu calmo e imperturbável. Ele não havia ensinado, “Orai pelos que vos perseguem”? (Mateus 5:44.)


Jesus Cristo, o único ser existente aqui na terra que havia criado o mundo e tudo o que nele vemos, que havia criado a prata com a qual tinham sido cunhadas as moedas com as quais fora vendido, ele, que poderia invocar defensores de ambos os lados do véu — permaneceu calado e sofreu.

Tampouco disse coisa alguma à multidão que exigia a liberdade de Barrabás, gritando, “Solta-nos Barrabás.” (Lucas 23:18.) Nem mesmo quando a turba gritou, pedindo seu sangue, dizendo, “Crucifica-o! Crucifica-o!” (Lucas 23:21) — ele demonstrou o menor sinal de amargura, rancor ou condenação. Seu semblante permaneceu tranquilo. Ali estava o perfeito exemplo de dignidade divina, poder e autodomínio. Barrabás em troca de Cristo! Barrabás liberto e Jesus crucificado. O pior em troca do melhor; o justo pelo injusto; o Unigênito crucificado, o transgressor pervertido solto. O Senhor não procurou vingar-se, dizer imprecações ou condenar aqueles infelizes.

Todavia, maiores provações o aguardavam . Ainda que considerado inocente, Jesus foi açoitado. Homens indignos supliciaram o puro Unigênito, o Filho de Deus. Uma palavra sua e todos os seus inimigos cairiam por terra, destruídos. Um comando seu e todos os seus algozes teriam perecido, transformados em  pó e cinzas. Entretanto, com majestosa serenidade, ele preferiu sofrer.

Então chegou o momento em que lhe foi colocada uma coroa de espinhos. Quão doloroso e cruel deve ter sido esse suplício! Porém , mesmo naquele instante, continuou sereno! Que portentosa energia! Que soberbo autocontrole! Sua atitude foi inacreditável.

O sangue arrancado pelos espinhos parecia ser o que eles desejavam. Não fora a turba mesma que dissera, “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”? (Mateus 27:25.) Agora nada podia impedir que eles levassem a cabo seus nefandos desígnios. A multidão estava ansiosa de saciar sua sede de sangue, e a crucificação faria com que ela se aplacasse, mas primeiro tinham que satisfazer seus apetites bestiais, seu sadismo; antes de tudo, precisavam ainda lançar sua infecta saliva ao sagrado rosto, com desumana crueldade.

O povo fez com que o corpo ferido e ensanguentado do Salvador carregasse a pesada cruz que serviria para seu próprio suplício. Os malvados, que tinham as fortes costas livres de qualquer fardo, presenciaram com inclemência o Mestre, o rosto coberto de suor, com grande esforço levantar o pesado madeiro e colocá-lo ao ombro, uma pobre vítima indefesa. Mas será que ele estava mesmo indefeso? As doze legiões de anjos por acaso ainda não se encontravam sob seu comando? Não estavam elas com as espadas desembainhadas, esperando suas ordens? Não estavam os anjos, com profunda agonia, contendo a custo o desejo de vir ajudá-lo?

Mas ele tem que sofrer tudo até o fim. Chega o momento em que os pregos são cravados em suas mãos e pés, trespassando sua carne macia e trêmula. A agonia aumenta. A cruz é fixada ao solo; a carne começa a sangrar. Que dor insuportável! Então são afixados cravos ao pulso, para assegurarem -se de que o corpo não caia ao solo e seja levado pelos discípulos.

A zombaria aumenta à medida que a gentalha se aproxima e olha para o alto, sorrindo velhacamente, proferindo blasfêmias e escárnios. “ A outros salvou; a si mesmo não pode salvar.” (Marcos 15:31.) Que tentação deve ter sido para o Senhor, que poderia facilmente naquele instante descer da cruz, sem quaisquer cicatrizes ou ferimentos!

Que desafio deve ter sido para ele recusar-se a revidar. Mas no Getsêmani já havia tomado uma firme decisão, e suado grandes gotas de sangue, em profunda angústia, quando aceitou a missão que o Pai lhe dera — de ir avante, suportar as enormes indignidades que lhe seriam infligidas, e sofrer até o fim, para proporcionar a vida eterna àqueles mesmos seres que ali estavam , e a todos os seus descendentes, se atendessem a sua voz.


Agora que sua vida mortal chegava rapidamente ao clímax, ele procurou controlar-se, vencendo a tentação de “mostrar” seu poder. Obviamente Lúcifer, que havia tentado o Senhor no deserto, na montanha e no pináculo do templo — por certo havia feito um bom trabalho, colocando palavras maldosas na boca de seus seguidores: “Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo” (Lucas 23:37.) O ladrão, pendurado na cruz, disse com sarcasmo: “ Não és tu o Cristo? salva-te a ti mesmo e a nós.” (Lucas 23:39.) Ao redor da cena do holocausto, havia ainda outras pessoas de idêntico temperamento, porém menos criminosas em suas perseguições. Os sacerdotes arrogantes, com seus longos mantos finamente bordados, os líderes do povo — seres humanos vis, mesquinhos e decaídos — também ali estavam para deleitar os olhos, jactarem -se, zombar e escarnecer.

Sua hora final havia chegado. Ali estava ele completam ente só, embora estivesse cercado por um a grande multidão. Sozinho, tendo a sua volta as hostes celestiais ansiosas de consolá-lo. Sozinho, mas tendo junto dele seu Pai que nutria pelo Filho a mais profunda compassividade, sabendo que ele teria que trilhar sem sua ajuda aquela senda tortuosa e sangrenta. Sozinho, exausto, febril e moribundo, Jesus clamou: “ Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mateus 27:46.) Sozinho ele esteve no Jardim do Getsêmani — orando a fim de ter forças para beber a amarga taça.

Ele havia ensinado, “ Amai aos vossos inimigos” (Mateus 5:44.) Naquele momento, Cristo demonstrava o quanto podia amá-los: estava morrendo na cruz por aqueles que o tinham nela cravado. Ao morrer, Jesus sofreu agonias que homem algum até então havia suportado. Não obstante, rogou. “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34.) Não foram estas suas últimas palavras — o ato supremo? Que divino gesto: o de perdoar aqueles que o estavam matando — que clamavam irados pedindo seu sangue! Ele dissera: “ Orai pelos que vos perseguem ” (Mateus 5:44), e ali estava o Senhor, orando por seus algozes. Sua vida foi um reflexo perfeito de seus ensinamentos. “Sede vós, pois, perfeitos,” ensinou ele. A través de sua vida, morte e ressurreição, Jesus realmente estava-nos mostrando o caminho.


Assim como a ressurreição, a morte e a vida são importantes para alcançarmos a perfeição, também o é o nascimento. Tendo isto em mente, meu pensamento se volta outra vez para Belém, a moderna cidade de Belém. Minha esposa e o grupo de turistas com quem estávamos, caminhávamos junto com as multidões cada vez maiores, e éramos por ela empurrados e acotovelados. Era com o se nos afogássemos num oceano de inúmeros corpos e faces. Naquela circunstância, era difícil nos concentrarmos no motivo sagrado de nossa vinda. Pouca coisa existia na colina que pudesse aumentar nossa reverência ou satisfazer a ansiedade que tínhamos de ficar sozinhos com nossos pensamentos.

Pedimos ao motorista do táxi que nos levasse até a colina, de onde se poderia ver o campo dos pastores. Abaixo de nós, no pequeno vale, encontrava-se o campo de Boaz e Rute. A nossa frente, víamos as planícies ondulantes, onde os pastores certa vez guardavam seus rebanhos. No sopé da colina, existe um a gruta cuja frente está voltada para aquele pequeno vale. Ali, segundo a tradição, os pastores dormiram e vigiaram naquela memorável noite.

Um a caverna como aquela os protegeria do frio durante a noite, e ao mesmo tempo permitiria que vigiassem os rebanhos. Ali, vislumbrando o vale, único lugar adjacente a Belém, onde podíamos encontrar a solidão de que necessitávamos, permanecemos no escuro, olhando o céu estrelado, com o fizeram os antigos pastores.

Os anjos não cantaram naquela noite? Nós também parecíamos ouvir um a melodia soturna, fracamente audível, mas que, em sinfônica harmonia, penetrava até o fundo de nossos corações. Era como se ouvíssemos um canto em uníssono, um hino inesquecível, um cântico ressoando através dos tempos: “Glória a Deus nas maiores alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens! (Lucas 2:14.)

No momento em que a emoção daquelas palavras divinas fez vibrar as cordas de nossa alma, nós quatro começamos a cantar: “ Pequena vila de Belém, repousa em teu dormir,” (Hinário, n;º 129.), e permanecemos bem juntos no meio da noite estrelada, com as golas de nossos agasalhos bem fechadas ao pescoço — fisicamente juntos, mental, espiritual e emocionalmente unidos; e juntos gozam os daquele momento inspirador. Sem ter outra luz para nos iluminar que a dos cintilantes luzeiros dos céus, sem ouvir nenhum outro som que o murmúrio de nossas próprias vozes. Nosso Pai Celestial parecia, naquele momento, estar muito, muito perto, e sentíamos que seu Filho se achava junto de nós. Naquele instante, elevamos um a oração que foi tão uníssona, que parecia ter sido proferida por uma única voz, e quatro corações derramaram todo o amor e gratidão que sentiam, e nossa prece se elevou, misturando-se a todas as orações que a humanidade pronunciava naquela noite.

Nela elevamos toda nossa gratidão e demonstramos nosso profundo amor. E, como se as comportas de um a represa que há muito se encontrassem fechadas, de repente se abrissem libertando seus reclusos mananciais, com as vozes quase inaudíveis, impregnadas de sublime reverência, suavizadas pelas intangíveis forças celestiais, sinceramente elevamos um a prece de ação de graças: Somos gratos, Pai Celestial, por sabermos de m aneira tão positiva que viveis, por term os plena convicção de que a criança que aqui nasceu foi verdadeiramente vosso Filho; somos gratos pelo programa de vossa Igreja ser real, operável e exaltador. Dissemos-lhe que o conhecíamos, que o amávamos e o seguiríamos. Rededicamos nossa vida a sua causa, e também tudo o que possuímos.

Muitos anos se passaram desde aquele inesquecível instante, mas toda vez que chega esta época maravilhosa, dedicamo-nos novamente a seu trabalho — e convidamos as pessoas de todo o mundo a se unirem conosco em nossas orações de júbilo, amor e gratidão pela vida e ensinamentos de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, o Filho de Deus.

(Mensagem da Primeira Presidência, A Liahona, Dezembro de 1981. Pp. 1-8)

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